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Orson Welles no Guincho, fotografado por Eduardo Gageiro
ORSON WELLES No ano em que o mundo celebra o centenário do nascimento de Orson Welles, a Fundação D. Luís I não poderia deixar de evocar também essa data centenária, em Cascais, apresentando, no âmbito da programação do Bairro dos Museus, uma sessão que, embora simples e despretensiosa, não só sublinha a obra - notável - de um dos maiores realizadores da História do Cinema, como se propõe contribuir, através do debate e da troca de ideias, para ampliar o conhecimento dessa figura singular do século XX, de porte magnífico e imponente, e dono de uma voz extraordinária.
P R O G R A M A Ç Ã O 23 de Outubro 21h00 - Filme
CITIZEN KANE
O Mundo a Seus Pés – 1941
24 de Outubro
17h00 - Filme
JOURNEY INTO FEAR A Jornada do Medo – 1943
18h30 - Debate
JOSÉ FONSECA E COSTA | PEDRO MEXIA | PAULO TRANCOSO Moderador: Salvato Teles de Menezes
DOIS DEDOS DE CONVERSA SOBRE ORSON WELLES
Três homens cujas vidas estão entranhadas de paixão pelo Cinema, juntam-se no auditório da Casa das Histórias Paula Rego no próximo sábado, dia 24, pelas 16h30, para conversarem entre si - e com o Público - sobre a vida, a obra e a enorme influência que teve nas Artes do século XX a dimensão de um dos maiores nomes da História do Cinema, de quem o Mundo, a seus pés, lhe celebra este ano o centenário do nascimento.
José Fonseca e Costa é um desses três homens, cuja vida se ligou ao cinema bem cedo, para o que teve uma influência decisiva a sua estreita ligação ao Cineclube Imagem, fundado em meados da década de 1950. Fez-se crítico de cinema, realizou vários documentários até 1970 e em 71 fez a sua primeira longa-metragem de ficção: O RECADO, com José Viana e a lindíssima Maria Cabral. A partir desse, fez muitos outros filmes, dos quais vários foram grandes sucessos. Só para citar alguns recordemos o divertidíssimo "Kilas, o mau da Fita"; o magnífico "Balada da Praia dos Cães" , no qual Raul Solnado desempenha um os melhores papéis da sua longa vida de Actor, ou "Cinco Dias, Cinco Noites", adaptado do romance de Álvaro Cunhal.
21h00 - Filme
THE MAGNIFICENT AMBERSONS O 4º Mandamento - 1942
CELEBRAR ORSON WELLES
Em 1934 começou a trabalhar em Rádio; tinha 19 anos. E foi com 19 anos que Welles rodou o seu primeiro ensaio cinematográfico, The Hearts of Age, uma curta-metragem de inspiração surrealista, na qual Welles, com a cara pintada de preto, desempenhava o papel da Morte. Uma obra com 8 minutos, que parece ter sido inspirada nas experiências surrealistas que Buñuel e Cocteau tinham ensaiado no cinema 5 ou 6 anos antes.
Curiosamente, alguns meses depois da sua Guerra dos Mundos, tropas nazis invadiam a Polónia. Começava a 2ª Guerra Mundial. E foi durante a 2ª Guerra Mundial, com a potência americana ainda neutral, que Orson Welles se iniciou no cinema que viria a vincar o seu nome na história. Muitos dos filmes que escreveu e realizou giram em torno da ascensão e queda da personagem principal: Charles Foster Kane, em Citizen Kane (O Mundo a seus Pés), Hank Quinlan, em Touch of Evil (Sede do Mal) ou Gregory Arkardin, em Mr. Arkadin (Relatório Confidencial). Protagonistas de histórias que quase sempre, ao estilo do teatro de Shakespeare, são destruídos pelos seus próprios vícios, fraquezas ou paixões.
O Mundo a Seus Pés (1941) foi a primeira longa-metragem de Welles, da qual foi produtor, realizador e actor. Tinha 26 anos. O filme foi distinguido com um Oscar para o Melhor Argumento Original. Contudo, o filme foi um fracasso comercial. Mas foram no entanto muitos os críticos e os espectadores mais cinéfilos que desde logo o consideraram uma verdadeira obra-prima. O seu segundo filme, The Magnificent Ambersons (O Quarto Mandamento, 1942) foi também um fracasso de bilheteira. Provavelmente porque neste seu segundo filme Welles perdeu totalmente o controlo da montagem para os estúdios da RKO. E a versão apresentada ao público nada tinha que ver com o projecto inicial de Welles. Além do filme ter sido amputado em cerca de uma hora da footage filmado por Welles, a RKO filmou diversas cenas de novo e substituiu a parte final do filme para lhe dar, no entender dos patrões da RKO, um happy ending mais agradável. O realizador ficou furioso. Seguiu-se Journey into Fear (A Jornada do Medo, 1943), embora seja Norman Foster a assinar a realização do filme e não Welles. Em 1946 realiza The Stranger (O Estrangeiro) no qual Welles desempenha o papel de um criminoso nazi, Franz Kindler, que tinha fugido para os Estados Unidos após a derrota de Hitler. De sublinhar que The Stranger, rodado poucos meses depois do fim da 2ª Guerra Mundial, é o primeiro filme a mostrar imagens dos campos de concentração e do extermínio em massa de judeus. No ano seguinte realiza The Lady from Xangai (A Dama de Xangai, 1947). E em 1948 adapta ao cinema uma das mais celebradas tragédias de William Shakespeare, Macbeth, que também não é bem recebido nos Estados Unidos. Orson Welles decide então abandonar os Estados-Unidos e auto-exilar-se na Europa, onde veio a encontrar um produtor italiano disposto a investir num projecto seu baseado noutra peça de Shakespeare: Othelo. O filme só ficou concluído em 1952: primeiro porque, logo no início da rodagem, o produtor italiano declarou falência e o filme parou. Welles não quis no entanto abandonar o projecto, nele investindo o seu próprio dinheiro. Quando o dinheiro acabou, a rodagem voltou a ser interrompida ao longo de vários meses e Orson Welles foi em demanda de financiamento, que no entanto nunca se confirmaram. Trabalhou então noutras produções, nomeadamente como actor, para juntar dinheiro que lhe permitisse terminar o filme. Satisfeito com o resultado, Orson Welles inscreveu Othelo no Festival de Cannes de 1952 e foi distinguido com a Palma de Ouro, alcançando em seguida um assinalável êxito na Europa. Nos Estados Unidos o filme era praticamente desconhecido. Em 1955 Orson Welles surge com novo filme, co-produzido pela França, Espanha e Itália: Mr. Arkadin (Relatório Confidencial) que os Estados Unidos também mal conheceram. Um filme recheado de excelentes enquadramentos e de notáveis posições da câmara a que se acrescenta uma particularidade que até então ninguém tinha usado: o recurso a frequentíssimos planos em contra-picado, muitas vezes perto do nível do chão, proporcionando imagens de invulgar força e poder. Há sequências inteiras totalmente filmadas em contra-picado. Notável. Três anos depois de Mr. Arkadin, Welles apresenta outro dos seus filmes maiores: Touch of Evil (Sede do Mal, 1958) que assenta em temas muito melindrosos para a época: crime organizado, racismo, drogas, corrupção na polícia. Mas a "marca" mais profunda e indelével do filme é a sua extraordinária abertura: três minutos e meio de uma plano-sequência absolutamente genial, sendo mais uma vez na Europa que o filme é distinguido com o prémio para Melhor Filme no Festival de Bruxelas de 1958. "Falstaff - Chimes of midnight" (Badaladas da Meia-Noite/1965) é outro dos seus filmes mais notáveis. Baseado na figura de Sir John Fallstaf, uma personagem criada por Shakespeare, fanfarrão e boémio, presente em cinco das peças do bardo inglês. Certamente que a adaptação ao cinema de 5 peças de Shakespeare, cruzando-as para criar uma única história não foi por certo tarefa fácil e poderia ser tudo, excepto convencional. Porém, actualmente, Falstaff é uma das proezas mais fascinantes de toda a obra cinematográfica de Orson Welles. O realizador afirmava ter um carinho muito especial por esse filme e considerava-o uma das suas melhores produções. E ele próprio dizia: Se eu alguma vez quisesse entrar no Céu com base num dos meus filmes, era certamente esse que eu apresentaria. Em 1962 volta a reunir o apoio de produtores europeus (de França, Itália e Alemanha) e roda a sua adaptação ao cinema de um romance de Franz Kafka (Der Prozess): Le Procès (O Processo). Uma adaptação na qual muitos viram reflectida uma alegoria da terrível perseguição política do maccartismo a membros ou supostos membros e simpatizantes do P. C. americano, que se transformou numa medonha "caça às bruxas" alimentada por acusações anónimas e denúncias não identificadas. Um filme que é, na nossa opinião, mais uma obra-prima na valiosíssima filmografia de Orson Welles: uma direcção de arte impressionante, que transforma espaços cénicos em obras de imponente impacto visual, uma direcção de fotografia notável onde a iluminação atinge a excelência e, acima de tudo, um trabalho de realização absolutamente extraordinário, repleto de ângulos de câmara e enquadramento notáveis que configuram poderosos propósitos narrativos. Em 1974 chega às salas de cinema aquela que seria a última longa-metragem de Orson Wells: F for Fake (F de Fraude) um filme co-produzido pela Alemanha, França e Irão que permitiram a Orson Welles fazer um notável filme de Arte e, metaforicamente, sobre a Verdade e a Mentira. Um filme realizado como se de um documentário se tratasse, no qual Welles fala directamente para a câmara, em amena conversa com o espectador. Não sendo um dos melhores filmes do centenário semideus do olimpo cinematográfico, F for Fake é, para quem gosta verdadeiramente de cinema, uma experiência de enorme relevância que se aconselha ver com minuciosa atenção. O momento mais profundo e poderoso de F for Fake é a forma como Orson Welles cogita, serenamente, sobre as glórias da quase milenar catedral de Chartres, que marca o auge da arte gótica francesa e dispensa reflexões sobre a paternidade da sua autoria. Em 1975, apesar dos desaires comerciais nos Estados Unidos, o American Film Institute atribuiu um prémio à sua carreira. Em 1984, a Associação de Realizadores Americanos distinguiu-o com uma das maiores honras do Cinema Americano: o Prémio D.W. Grifith. E a partir daí a sua importância e prestígio na História do Cinema não pararam de crescer, para o que muito contribuíram os filmes que realizou na Europa onde passou a ser reconhecido como uma extraordinária força criativa e os seus filmes considerados verdadeiro Cinema de Autor. O filme que Orson Welles infelizmente não concluiu foi The Other Side of the Wind, que filmou entre 1970 e 1977, embora de forma intermitente, contava a história de um velho realizador (interpretado por John Huston) que procurava, desesperadamente, financiamento para concluir o último filme da sua vida. Além de Huston, o elenco incluía muitos dos seus maiores amigos: Peter Bogdanovitch, Norman Foster, Susan Strasberg, Canerin Mitchell e Dennis Hopper.
Orson Welles morreu em Outubro de 1985. Tinha 70 anos. E das muitas frases que ficaram na memória dos seus maiores amigos uma foi quando Welles falava dos seus Mestres: "No Cinema prefiro os velhos Mestres, ou seja: John Ford, John Ford, John Ford".
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